Folder de Evento Antimanicomial
|
GILBERTO: Dr. Epitácio, por que se escolheu o dia 18 de maio para ser o dia da
Luta Antimanicomial? Quais as origens dessa luta?
Dr. Epitácio: Há 25 anos, mais
precisamente, em 18 de maio de 1987, um conjunto de técnicos de saúde mental,
usuários e familiares dos serviços de saúde, além de outros militantes
políticos, particularmente da causa da reforma sanitária, reunidos em Bauru/SP,
após amplas discussões sobre a violação dos direitos humanos em instituições
manicomiais e a constatação da inadequação terapêutica destas, decidiram criar
um movimento nacional e comemorar nesta data a efetivação desta conquista
libertária.
GILBERTO: Quais os principais pressupostos dessa campanha? O que, de fato,
desejam estes ativistas?
Dr. Epitácio: Não é uma campanha.
É um movimento social organizado que luta para construir a superação do modelo
manicomial na sociedade, que deve ser construída sem manicômios. Luta ainda
pela estruturação de uma rede de serviços de saúde mental substitutiva aos
serviços com características manicomiais, formada por CAPS (Centros de Atenção
Psicossocial); leitos psiquiátricos em hospitais gerais; urgências/emergências
psiquiátricas integradas com serviços gerais, como SAMU; oficinas terapêuticas;
lares abrigados; pensões protegidas; formação de cooperativas de usuários;
desenvolvimento de uma rede de economia solidária; ateliês terapêuticos;
serviços ambulatoriais; dentre outros. Superar o preconceito contra os
usuários/portadores de transtornos mentais; Denunciar as situações de violência
e outras violações dos direitos humanos.
GILBERTO: Quais as alternativas à
vida no manicômio?
Dr. Epitácio: No manicômio, não
há vida. Há violência, reclusão, liberdade vigiada, ócio forçado. A sua
construção foi à solução encontrada há 200 anos. Hoje não se sustenta a sua
defesa, do ponto de vista científico e da evolução da sociedade contemporânea.
Médica psiquiatra Nise da
Silveira
|
GILBERTO: O senhor de fato crê
que as artes de um modo em geral podem ser fatores significativos na
recuperação de um paciente? De que dados dispõe para acreditar nisso?
Dr. Epitácio: Acho que a
experiência terapêutica e de vida de Nise da Silveira é suficiente para se
constatar que a arte é vida, é terapia pura. Evidente que isto, deve estar
integrado com as modernas técnicas farmacoterápicas e psicoterápicas. É
fundamental conhecer as experiências de vida de Van Gogh e de Bispo do Rosário,
para se perceber como a arte foi importante para que estes artistas suportassem
a dor imposta pela clausura manicomial.
Estátua de Bispo do Rosário |
GILBERTO: Imagine a seguinte
situação: um esquizofrênico mata alguém e é posto na cadeia. A família prefere
não informar isso às autoridades a fim de evitar sua ida ao manicômio. Que
análise o senhor faria deste caso hipotético?
Dr. Epitácio: Acredito que o
estigma da periculosidade do doente mental tem que ser superado. As populações
não-psiquiátricas são, infinitamente, mais violentas do que os doentes mentais.
A violência enquanto ação deliberada é muito mais praticada pelos ditos
“normais”, do que pelos doentes mentais, que tendo acesso à terapêutica e aos
processos reabilitativos, tenderão a uma vida integrada e participativa. Aliás,
a violência que possa vir a ser cometida por portadores de transtornos mentais
está sempre relacionada ao abandono sócio-familiar, a vitimização do
preconceito e a ausência e/ou inadequação de tratamento. Também se deve
compreender a diferença entre perversão e doença mental.
Lobão com folclorista João de Artur e Banda Antimanicomial |
GILBERTO: Não acha que os doentes
mentais são hoje tratados com mais humanidade que em épocas passadas? Não lhe
parece justo que alguém perigoso à vida em sociedade permaneça no isolamento?
Dr. Epitácio: O caminho das
mudanças no modelo assistencial em saúde mental vem sendo conquistado com a
luta política, com a organização dos segmentos que mantém a capacidade de se indignar
com a desumanidade e a injustiça. As conquistas de um novo modelo se dão no
enfrentamento aos que sempre faturaram alto com o modelo manicomial, com as
“fábricas de loucura”. Não raro, os militantes antimanicomiais carregam uma
história de perseguição e ameaças. “Eu sou um que sabe...”
GILBERTO: Fale-nos sobre o filme
Bicho-de-sete-cabeças e de algum outro que trate desta temática. Há alguma
outra indicação?
Dr. Epitácio: O filme ¨Bicho-de
sete-cabeças” é um denúncia sobre a violência manicomial. É baseado no livro
“Canto dos Malditos”, de Austregésilo Carrano, um militante antimanicomial, que
foi perseguido e injustiçado até sua morte. Deve ser um programa cultural
obrigatório para os que não perderam a capacidade de se indignar diante do
sofrimento produzido institucionalmente.
Manifestação política do Movimento Antimanicomial |
GILBERTO: Há algum país ou
instituição brasileira que o senhor citaria como padrão a ser seguido pelos que
cuidam da saúde mental?
Dr. Epitácio: A experiência de
Franco Basaglia na Itália é histórica e referencial para se iniciar a
compreensão acerca da evolução da construção antimanicomial. No Brasil, é
importante conhecer o caminho da Saúde Mental em Santos/SP, com a substituição
do Manicômio, conhecido como “O Anchieta”, o desenvolvimento do projeto “Rádio
Tam Tam”... No Nordeste, mais precisamente, em Sobral no Ceará, o homicídio do
paciente Damião Ximenes determinou o fechamento do manicômio daquela cidade e
sua substituição por uma rede de serviços de saúde mental. Por este episódio
fatídico o Estado Brasileiro recebeu a primeira condenação numa corte
internacional de justiça. Há mais de 10 anos, fui agente proativo pela
substituição total do manicômio de Caicó/RN que tem uma ficha longa de violação
de direitos humanos, mas o caminhar do processo vem sendo muito lento, apesar
da implantação de serviços na região do seridó potiguar.
GILBERTO: Deixe uma reflexão e/ou
orientação às pessoas que têm doentes mentais em suas famílias.
Dr. Epitácio: Não se deve perder
a esperança. Há possibilidade de melhorar as situações que envolvam os
problemas de saúde mental. Superemos o preconceito, participando dos serviços
substitutivos, reivindicando sua implantação e buscando compreender o processo
saúde-doença mental que está em todos nós!
Fonte: Epitácio de Andrade Filho
0 comentários:
Postar um comentário
Sua opinião é importante! Este espaço tem como objetivo dar a você leitor, oportunidade para que você possa expressar sua opiniões de forma correta e clara sobre o fato abordado nesta página.
Salientamos, que as opiniões expostas neste espaço, não necessariamente condizem com a opinião do Blog do Sargento Andrade.