Reflexão da Semana: Por maior que seja a dificuldade pela qual esteja passando, não desanime. Confie, mantendo a fé e a esperança

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Um homem encarcerado pela doença e pela miséria

De acordo com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, é essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo Estado de Direito, para que o homem não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão. Ou seja, toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.

Porém, uma situação de extremo desrespeito a essa declaração universal foi flagrada pela equipe de reportagem da GAZETA DO OESTE no povoado de Ponta do Mel, zona litorânea do município de Areia Branca-RN. Na localidade, um homem acometido por problemas mentais, de forma irreversível, segundo laudo médico, é mantido em cárcere privado trancado em um quarto com grade de ferro, corrente e cadeado.

O caso que expõe total desrespeito a todos os direitos assegurados aos seres humanos já dura mais de 25 anos. A história do doente mental José Antônio do Nascimento, 45 anos, é relatada pelo próprio pai dele, o pescador aposentado Cícero Raimundo do Nascimento, 79 anos, mais conhecido em Ponta do Mel como “Cícero de Augusto”, que demonstrou desconhecimento das leis e disse precisar manter o filho encarcerado para a segurança dele próprio e de todos.

Sem qualquer orientação e assistência por parte dos órgãos públicos, Cícero conta de forma lúcida que o filho ficou doente em 1986 com o diagnóstico de doença mental irreversível. “Quando ele adoeceu ainda ficou internado por um ano, mas depois o médico (dr. Genário) disse que não tinha cura e tive que trazer ele para casa e o que posso fazer é cuidar dele da forma que é possível”, relatou.

Segundo Cícero, quando José apresentou o quadro de doença mental ainda contava com o auxílio da mãe, Maria Amália dos Santos, que morreu em 2004, vítima de doença provocada por vermes. “Desde que minha mulher morreu cuido dele e conto ainda com a ajuda de uma neta e às vezes dos outros filhos”, acrescentou.

Sem qualquer conhecimento sobre as leis e os benefícios que são destinados a casos como este, Cícero diz que precisa manter o filho em um quarto fechado com grade e cadeado para que ele não se prejudique ou possa causar algum problema para as outras pessoas. Deixando transparecer um cansaço ocasionado pelo peso da idade, o pai de José diz fazer tudo que é possível para manter o filho vivo. Cícero não reconhece que manter o filho em cárcere é um crime, para ele se mostra como a única forma de mantê-lo em segurança.

SEM ASSISTÊNCIA

Cícero vive com o filho em uma casa sem qualquer estrutura básica. Além do quarto onde José é mantido trancado, a casa ainda possui mais dois cômodos, onde são acomodados uma cama de solteiro, onde Cícero dorme; um fogão a gás, uma geladeira que não funciona, uma TV antiga tamanho 14 polegadas ainda em preto e branco, um rádio a pilha, um pequeno armário com algumas louças, panelas e talheres. 

Cícero ressalta que não recebe assistência de programas sociais, exceto, as receitas médicas para receber os medicamentos de uso controlado que o filho precisa tomar diariamente. A renda para manter a casa, que inclui pagamento de conta de luz, alimentação, material de limpeza e higiene pessoal vem da aposentadoria de Cícero e do benefício de José. “Do dinheiro que eu recebo ainda pago as pessoas para ajudar nas tarefas de casa e não dá para fazer muita coisa”, detalhou.

Entre as muitas necessidades que enfrenta por se sentir obrigado a manter um filho encarcerado, Cícero cita a vontade que tem de receber benefícios como, por exemplo, o Programa do Leite, que diz já ter recebido por um tempo, mas foi bloqueado e não sabe explicar o motivo do corte no benefício. “Para tomar leite aqui em casa preciso comprar e o leite é caro demais, por isso é difícil tomar leite, o café é mais comum aqui”, frisou.

MOTIVAÇÃO

Cícero diz ter noção da necessidade que o filho tem de uma assistência melhor e de um lugar mais adequado, porém ressalta que já procurou ajuda, mas nos locais onde foi apenas ouviu que o caso não tem jeito. Ele contou que a doença do filho surgiu após José presenciar a cunhada ser assassinada grávida pelo próprio irmão, que também morreu em outra ocasião. “Ele viu tudo isso acontecer e começou a ficar perturbado e de lá pra cá ficou assim”, explicou.

O dia a dia de José segue a mesma rotina. Dorme em horários que oscilam entre o dia e a noite, fala coisas sem nexo, fuma muito chegando a consumir até 15 cigarros por dia, bebe muito café, fica agitado em alguns momentos e usa a rede para se balançar para amenizar a irritação. A comunicação com o pai se restringe a pedir algo que deseja como: comida e cigarro. As frases são sempre curtas. “Pai, tô com fome, pai, me dê um trevo (cigarro)”. Únicas frases entendidas de forma legível pela equipe no dia da reportagem. 

 
CASO ESTÁ ARQUIVADO NO MINISTÉRIO PÚBLICO DE AREIA BRANCA


O caso do doente mental José Antônio do Nascimento, 45 anos, que vive preso em um quarto na praia de Ponta do Mel está registrado no Ministério Público de Areia Branca, porém, o caso está arquivado. Segundo a assistente social cedida da Vara Cível de Areia Branca, Solange Rosana Gregório, o único processo existente no Ministério Público do município sobre este caso se refere a uma medida cautelar solicitante a administração da pensão do doente.


Solange adiantou que na época em que o processo foi solicitado, chegou a visitar a casa onde José reside com o pai e é mantido preso em um quarto, mas acrescentou que o seu trabalho se restringia apenas a avaliar a necessidade de designar a alguém a administração dos recursos destinados ao doente.


“Eu vi que lá não há qualquer condição para que o doente seja mantido, mas essas providências devem ser solicitadas pela assistência social do município, o Ministério Público só pode agir de acordo com o que for solicitado”, explicou.


No Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) de Areia Branca não existe qualquer registro ou notificação sobre o caso do doente mental de Ponta do Mel. O setor de registro de solicitações foi checado pela assistente social Luana dos Santos Nogueira. Ela adiantou que uma visita seria feita a residência citada no dia seguinte.



Com informações da repórter Sayonara Amorim

Foto: Wilson Moreno/Gazeta do Oeste




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