De acordo
com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, é essencial que os direitos
humanos sejam protegidos pelo Estado de Direito, para que o homem não seja
compelido, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão. Ou
seja, toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades
estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de
raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza,
origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.
Porém,
uma situação de extremo desrespeito a essa declaração universal foi flagrada
pela equipe de reportagem da GAZETA DO OESTE no povoado de Ponta do Mel, zona
litorânea do município de Areia Branca-RN. Na localidade, um homem acometido
por problemas mentais, de forma irreversível, segundo laudo médico, é mantido
em cárcere privado trancado em um quarto com grade de ferro, corrente e
cadeado.
O caso
que expõe total desrespeito a todos os direitos assegurados aos seres humanos
já dura mais de 25 anos. A história do doente mental José Antônio do
Nascimento, 45 anos, é relatada pelo próprio pai dele, o pescador aposentado
Cícero Raimundo do Nascimento, 79 anos, mais conhecido em Ponta do Mel como
“Cícero de Augusto”, que demonstrou desconhecimento das leis e disse precisar
manter o filho encarcerado para a segurança dele próprio e de todos.
Sem
qualquer orientação e assistência por parte dos órgãos públicos, Cícero conta
de forma lúcida que o filho ficou doente em 1986 com o diagnóstico de doença
mental irreversível. “Quando ele adoeceu ainda ficou internado por um ano, mas
depois o médico (dr. Genário) disse que não tinha cura e tive que trazer ele
para casa e o que posso fazer é cuidar dele da forma que é possível”, relatou.
Segundo
Cícero, quando José apresentou o quadro de doença mental ainda contava com o
auxílio da mãe, Maria Amália dos Santos, que morreu em 2004, vítima de doença
provocada por vermes. “Desde que minha mulher morreu cuido dele e conto ainda
com a ajuda de uma neta e às vezes dos outros filhos”, acrescentou.
Sem
qualquer conhecimento sobre as leis e os benefícios que são destinados a casos
como este, Cícero diz que precisa manter o filho em um quarto fechado com grade
e cadeado para que ele não se prejudique ou possa causar algum problema para as
outras pessoas. Deixando transparecer um cansaço ocasionado pelo peso da idade,
o pai de José diz fazer tudo que é possível para manter o filho vivo. Cícero
não reconhece que manter o filho em cárcere é um crime, para ele se mostra como
a única forma de mantê-lo em segurança.
SEM
ASSISTÊNCIA
Cícero
vive com o filho em uma casa sem qualquer estrutura básica. Além do quarto onde
José é mantido trancado, a casa ainda possui mais dois cômodos, onde são
acomodados uma cama de solteiro, onde Cícero dorme; um fogão a gás, uma
geladeira que não funciona, uma TV antiga tamanho 14 polegadas ainda em preto e
branco, um rádio a pilha, um pequeno armário com algumas louças, panelas e
talheres.
Cícero
ressalta que não recebe assistência de programas sociais, exceto, as receitas
médicas para receber os medicamentos de uso controlado que o filho precisa
tomar diariamente. A renda para manter a casa, que inclui pagamento de conta de
luz, alimentação, material de limpeza e higiene pessoal vem da aposentadoria de
Cícero e do benefício de José. “Do dinheiro que eu recebo ainda pago as pessoas
para ajudar nas tarefas de casa e não dá para fazer muita coisa”, detalhou.
Entre as
muitas necessidades que enfrenta por se sentir obrigado a manter um filho
encarcerado, Cícero cita a vontade que tem de receber benefícios como, por
exemplo, o Programa do Leite, que diz já ter recebido por um tempo, mas foi
bloqueado e não sabe explicar o motivo do corte no benefício. “Para tomar leite
aqui em casa preciso comprar e o leite é caro demais, por isso é difícil tomar
leite, o café é mais comum aqui”, frisou.
MOTIVAÇÃO
Cícero
diz ter noção da necessidade que o filho tem de uma assistência melhor e de um
lugar mais adequado, porém ressalta que já procurou ajuda, mas nos locais onde
foi apenas ouviu que o caso não tem jeito. Ele contou que a doença do filho
surgiu após José presenciar a cunhada ser assassinada grávida pelo próprio irmão,
que também morreu em outra ocasião. “Ele viu tudo isso acontecer e começou a
ficar perturbado e de lá pra cá ficou assim”, explicou.
O dia a
dia de José segue a mesma rotina. Dorme em horários que oscilam entre o dia e a
noite, fala coisas sem nexo, fuma muito chegando a consumir até 15 cigarros por
dia, bebe muito café, fica agitado em alguns momentos e usa a rede para se
balançar para amenizar a irritação. A comunicação com o pai se restringe a
pedir algo que deseja como: comida e cigarro. As frases são sempre curtas.
“Pai, tô com fome, pai, me dê um trevo (cigarro)”. Únicas frases entendidas de
forma legível pela equipe no dia da reportagem.
CASO ESTÁ
ARQUIVADO NO MINISTÉRIO PÚBLICO DE AREIA BRANCA
O caso do doente mental José Antônio do Nascimento, 45 anos, que vive preso em um quarto na praia de Ponta do Mel está registrado no Ministério Público de Areia Branca, porém, o caso está arquivado. Segundo a assistente social cedida da Vara Cível de Areia Branca, Solange Rosana Gregório, o único processo existente no Ministério Público do município sobre este caso se refere a uma medida cautelar solicitante a administração da pensão do doente.
Solange adiantou que na época em que o processo foi solicitado, chegou a visitar a casa onde José reside com o pai e é mantido preso em um quarto, mas acrescentou que o seu trabalho se restringia apenas a avaliar a necessidade de designar a alguém a administração dos recursos destinados ao doente.
“Eu vi que lá não há qualquer condição para que o doente seja mantido, mas essas providências devem ser solicitadas pela assistência social do município, o Ministério Público só pode agir de acordo com o que for solicitado”, explicou.
No Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) de Areia Branca não existe qualquer registro ou notificação sobre o caso do doente mental de Ponta do Mel. O setor de registro de solicitações foi checado pela assistente social Luana dos Santos Nogueira. Ela adiantou que uma visita seria feita a residência citada no dia seguinte.
Com informações
da repórter Sayonara Amorim
Foto:
Wilson Moreno/Gazeta do Oeste
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